Nos últimos anos, o mercado de tecnologia aplicado a operações financeiras dominou os noticiários econômicos e de inovação. Este salto foi ainda mais expressivo com a chegada da pandemia do novo coronavírus, principalmente pela necessidade de desenvolvimento de soluções de pagamento para e-commerces e transações digitais que não envolvessem cédulas e reduzissem as chances de contaminação. É neste cenário que as empresas operadoras do transporte público da Região Metropolitana de Curitiba (RMC) vêm mostrando o seu lado fintech e o know-how de duas décadas de desenvolvimento de aplicações para transações eletrônicas.
Desde o início dos anos 2000, quando o cartão de vale-transporte começou a ser utilizado no sistema público regional, as empresas representadas pela Associação Metrocard passaram a entender o seu papel e o do transporte público na acessibilidade financeira da população a serviços públicos e privados. Não à toa, a associação foi uma das pioneiras no Brasil na oferta de um cartão com dois serviços: de um lado, pagar a passagem e, de outro, armazenar créditos pré-pagos para a aquisição de itens secundários, um recurso que atende a população desbancarizada e que não possui acesso a cartões de crédito, incluindo esse público na economia local.
Esta importante missão da associação é explicada pelo consultor técnico da Metrocard, Anderson Oberdan, em entrevista exclusiva ao GazzConecta. Este conteúdo é parte do programa Papo Mobilidade, série que está reunindo especialistas em mobilidade urbana de todo o Brasil, para discutir como será o transporte público do futuro. Veja os episódios em vídeo e podcast clicando aqui.
Nesta entrevista, Oberdan também relata quais são as tendências e desafios para os meios de pagamento regionais e quais testes já estão sendo viabilizados pela associação. Confira!
Nestes quase 20 anos de implementação do cartão-transporte, qual foi a experiência acumulada pelas empresas e qual é a tendência para este tipo de pagamento?
De lá para cá, o que mais se foi trabalhado nos smartcards foi a tecnologia de segurança, que envolve dispositivos anti-clonagem, precisão de desconto de créditos e novos cadeados eletrônicos para dar maior segurança ao processo. Um segundo acréscimo veio em 2015, quando a Metrocard passou a oferecer o serviço de crédito pré-pago no mesmo cartão — em parceria com a Mastercard e de forma pioneira no Brasil — para pessoas que não tinham cartão de crédito e queriam consumir produtos e serviços sem fazer o pagamento com dinheiro em cédula. A tendência é usar esse conhecimento de agregador de soluções de pagamento para que no futuro a gente não dependa apenas de um cartão plástico e sim tenhamos uma carteira digital com diversas opções de pagamento, a partir do qual você tem um crédito disponível “na nuvem”, depositado pelo seu empregador ou por você. Este crédito poderá ser validado no transporte público, indiferente do meio que você usar para o acesso, seja um cartão, o celular, uma pulseira, biometria ou QR Code.
O quão próximo estamos de ver esse tipo de solução aplicada por aqui?
Hoje estamos mais próximos da aceitação do cartão de crédito e débito dentro do transporte público através da tecnologia contactless. As operadoras de cartão de crédito e os grandes bancos estão popularizando a distribuição de cartões que fazem pagamentos de baixo valor apenas por aproximação. No ano passado fizemos testes no tubo da Praça Rui Barbosa com um validador que aceitava cartões desta maneira, mas ainda não eram muitos os usuários que tinham à sua disposição esta tecnologia. Com a pandemia, notamos que este cenário mudou. Nós tínhamos na região metropolitana de Curitiba um índice de 40% de pagamento em dinheiro em cédulas. Assim que começaram as medidas de contenção social em função da pandemia de Covid-19, no fim de março, notamos que em menos de dez dias passamos para 72% de pagamento com cartão, um salto de 12 pontos percentuais em um espaço de tempo curto. Isso demonstra que as pessoas entendem que existem outras formas de efetuar o pagamento que são seguras e permitem a circulação econômica.
A aquisição de créditos para o transporte também passou por mudanças?
Sim, ela foi ampliada nos últimos anos graças à tecnologia. Além da compra pelo site e dos postos de atendimento, foram implantados terminais de autoatendimento e totens em alguns terminais. Também foi desenvolvido um aplicativo em parceria com a AcessoCard para que os valores depositados no cartão pré-pago Mastercard pudessem ser usados para comprar vale-transporte por meio do telefone celular. Além disso, em parceria com a desenvolvedora de aplicativos Qiwi, foi criada uma solução para celular na qual é possível comprar créditos para o cartão Metrocard.
Além dos métodos de pagamento, a associação também discute o sistema tarifário? O que pode mudar nos próximos anos?
Sim. Já temos tecnologias em teste para lidar com uma possível flexibilização das tarifas fora do horário de pico, por exemplo, uma demanda da associação ao poder público. A linha Pinhais/Guadalupe desde o ano passado testa um piloto no qual a tarifa fora dos horários mais concorridos é mais baixa e é descontada automaticamente do cartão. Mas quando falamos neste tipo de mudança esbarramos no fato de o nosso setor ser excessivamente regulamentado. Os cartões e os equipamentos já aceitam isso, mas o modelo tarifário adotado pelo poder público, e que está vigente há décadas, prevê uma tarifa única para o ano inteiro. Então não é algo que podemos mudar sem que exista uma regulamentação abrindo essa possibilidade e sem avaliar os impactos no equilíbrio econômico-financeiro da operação do sistema de transporte.
Outro ponto de discussão é o pagamento por tempo de permanência no ônibus, já adotado em alguns países. Mas, para fazer uma cobrança desse tipo, esbarramos também no acesso que o próprio passageiro tem à tecnologia, como smartphones; ou na forma como fazemos a contagem de passageiros quando estes não passam por catracas — como nas integrações nos terminais, um problema que ainda não foi solucionado satisfatoriamente pelos métodos disponíveis atualmente no mercado. Então, quando falamos em mudanças no sistema financeiro, precisamos de uma revisão de legislação, de formas inteligentes de fazer com que o dinheiro circule entre aqueles que usam e que fornecem bens e serviços e principalmente que tudo isso aconteça com métodos seguros tanto para empresas quanto para passageiros.