Até maio deste ano, nos primeiros 14 meses da pandemia, quando o país foi severamente afetado pela COVID-19, 25 operadoras e 1 consórcio operacional interromperam as suas atividades, de acordo com dados da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU). Ao todo, quase 77 mil trabalhadores foram demitidos nesses meses. Quando há desequilíbrio econômico entre custos e as receitas do transporte público, as consequências afetam a prestação do serviço de maneira global, os passageiros em especial.
Apesar de a crise sanitária ter evidenciado as dificuldades, os problemas relacionados ao financiamento do transporte coletivo já se desenhavam na pré-pandemia pela falta de subsídio aportado pelo governo, gerando descumprimento de contratos e insegurança jurídica. “O desequilíbrio econômico já existia antes da pandemia, que escancarou a situação. As questões trabalhistas já vinham acontecendo muito antes, desde 2015 e 2016, quando algumas empresas não conseguiam cumprir os seus compromissos”, afirma Luís Alberto Gomes Coelho, sócio do escritório Gomes Coelho & Bordin.
De acordo com Gomes Coelho, há um script comum que envolve essas situações. Ao não serem remuneradas da maneira adequada, os primeiros efeitos para as empresas são financeiros. “É preciso buscar aporte de capital de terceiros, que, em geral, tem juros altíssimos. Depois, os empresários acabam aportando bens e dinheiro próprio nos negócios”, explica.
A sustentabilidade e o equilíbrio dos custos e receitas do transporte coletivo refletem diretamente no serviço prestado ao passageiro. Com os sistemas fragilizados e em desequilíbrio econômico, torna-se difícil fazer os investimentos necessários e previstos em contrato. “Se há uma conta que não fecha, é preciso priorizar o que é essencial, como o recolhimento de tributos, pagamento de funcionários, compra de combustível e realização de manutenções”, diz Gomes Coelho.
Como consequência, não há recursos para o investimento na renovação da frota, o que se reverte em veículos antigos que podem afastar o usuário, agravando ainda mais a situação financeira dos sistemas. Há também a possibilidade de motoristas e cobradores sofrerem com faltas de pagamento.
Há uma proposta em discussão visando a criação de um marco regulatório para o segmento do transporte coletivo. Baseado na Lei nº 12.587/2012, espera-se estabelecer um conjunto de normas, leis e diretrizes relacionadas ao funcionamento do setor, cuja delegação de atividades é realizada pelo poder público aos operadores. Dessa forma, haveria um padrão a ser seguido na concessão de serviços de transporte.
Em um documento postado em seu site no início de 2021, a NTU afirma que o marco regulatório seria baseado em três pilares:
Regulação e contratos – Alterações na Lei de Mobilidade Urbana, com capítulo específico sobre o transporte público;
Financiamento – Separação entre as tarifas de remuneração do operador e a pública, investimento em infraestrutura e linhas de financiamento;
Qualidade e produtividade – O poder público federal como indutor e guardião da mobilidade;
“Com a atualização dessa legislação o setor passaria a contar com novos modelos de organização e contratação dos serviços, tornando-se mais atrativo aos investimentos privados. O que se espera neste pilar é seguir um caminho semelhante ao recém-aprovado Marco Legal do Saneamento, levando-se em conta a semelhança institucional dos dois setores”, diz o documento.