A população está se concentrando mais nos grandes centros urbanos, seja no Brasil ou em todo o globo. As previsões da Organização das Nações Unidas (ONU) calculam um aumento progressivo da densidade nesses locais: estima-se que dois terços da população mundial estará em centros urbanos em 2050. Um dos principais fatores é o aspecto econômico: as oportunidades de emprego e de negócios aumentam nessa região.
No entanto, a concentração de pessoas em um mesmo espaço e o aumento da densidade demográfica costuma reverberar em outras áreas, como o meio ambiente, a economia e a qualidade de vida. Na área ambiental, a opção pelo transporte individual em detrimento do coletivo causa problemas à qualidade do ar – o que também influencia em aspectos de saúde. Dentro dessa linha de raciocínio, o uso de carros e motos ocasiona mais congestionamentos, que levam a uma redução da qualidade de vida da população como um todo e reflexos econômicos, com a paralisação ou prejuízo da economia.
O ex-presidente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc) Carlos Eduardo Ceneviva, que integrou a equipe do ex-prefeito de Curitiba Jaime Lerner na época da instalação do sistema de canaletas (BRT) na cidade, afirma a sobrevivência de uma cidade depende do transporte coletivo. “Não é possível nem sequer imaginar uma cidade sem transporte público. Uma cidade pequena até consegue sobreviver. Mas, do porte médio para cima é inviável”, opina.
“Não é possível nem sequer imaginar uma cidade sem transporte público. Uma cidade pequena até consegue sobreviver. Mas, do porte médio para cima é inviável” – Carlos Eduardo Ceneviva, ex-presidente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (Ippuc).
De acordo com ele, o transporte coletivo precisa ser visto como um equipamento importante para a cidade em termos de seu desenvolvimento e do que pode oferecer à população.
“Pensamos em uma rede de linhas – que não fossem sobrepostas, mas integradas. O transporte público precisa oferecer um componente vital, que é o tempo. Ele precisa ser o mais rápido, dentro das limitações”, ressalta Ceneviva, em relação ao sistema BRT instalado em Curitiba.
Transporte público e qualidade de vida
Uma lista elaborada pela The Economist Intelligente Unit aponta que os principais centros de negócios do mundo não aparecem entre os 10 melhores para se viver. A lista é liderada por Viena (Áustria), Melbourne (Austrália) e Osaka (Japão), que contam com, respectivamente, 1,7 milhão, 5 milhões e 2 milhões de habitantes. A cidade japonesa, especificamente, subiu 6 posições no ranking devido à melhora da “disponibilidade e qualidade do transporte público”, entre outros aspectos.
PODCAST MOVE METROCARD: investimento em transporte coletivo contribui para a qualidade de vida da população
Listen to “O que seria de uma cidade sem o transporte coletivo?” on Spreaker.
“Os centros globais de negócios tendem a ser vítimas de seu próprio sucesso. A agitação de cidade grande pode ser maléfica à infraestrutura e nos aspectos de segurança. Nova York (57ª posição), Londres (48ª) e Paris (19ª) são polos notórios com diversas atividades interessantes do ponto de vista de saúde, mas sofrem com a criminalidade, congestionamentos e problemas no transporte público”, diz o relatório.
A tendência europeia é repetida no Brasil. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil conta com aproximadamente 208 milhões de pessoas. Desse total, 57% — o equivalente a 118 milhões – estão em apenas 5,6% dos municípios do país. Para se ter ideia, somente o estado de São Paulo conta com 21,8% da população do país.
“O espaço urbano é limitado, por mais que se pense em trincheiras, viadutos e passagens de nível. Por isso, o transporte coletivo é uma solução e precisa ser pensado para a população, com a regularidade e frequência necessária. Dentro dessa premissa, sem o transporte público e com grandes concentrações populacionais, haveria um caos em qualquer cidade”, projeta a Superintendente de Trânsito de Curitiba, Rosângela Battistella.
Ceneviva afirma que, mesmo na situação em que estão as cidades brasileiras, seria ideal tentar prever e ordenar o crescimento dos municípios. “Há cidades que até conseguem se antecipar à necessidade, mesmo não sendo uma regra. Mas a questão principal é: como fazer as obras necessárias? Com que dinheiro? Esse é o principal problema”, diz.
Para Rosângela, o transporte coletivo contribui para uma vida mais equilibrada das pessoas. “O transporte coletivo dá mais saúde. Há uma necessidade de se deslocar até o ponto de ônibus e você acaba desenvolvendo uma relação com a cidade, assim como apreciando a paisagem urbana, criando referências e conhecendo os equipamentos urbanos”, aponta Rosângela.
Economia
Uma pesquisa realizada pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) estimou que, no Brasil, o prejuízo estimado com o desperdício de tempo no trânsito é de mais de R$ 111 bilhões. Em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, a população gasta pelo menos 2,5 horas para ir e voltar ao trabalho. Em Curitiba, em uma greve do transporte coletivo em 2017, a Associação Comercial do Paraná (ACP) estimou um prejuízo de R$ 150 milhões somente naquele dia, considerando o comércio, a indústria e os serviços.
De acordo com o Denatran, Curitiba tem 1,5 milhão de veículos. Se somarmos à frota de Araucária (86 mil), Pinhais (86 mil), Colombo (135 mil), Fazenda Rio Grande (52 mil), Campo Largo (80 mil) e São José dos Pinhais (201 mil), o total de veículos chegaria a 2,14 milhões.
“Nossa estimativa é que 30 a 40% da frota circule na cidade por dia. Sem o transporte coletivo, podemos estimar 80% desse total, conforme cálculos técnicos”, esclarece Rosângela.
Ou seja, fala-se de mais de 1,6 milhão circulando pelas ruas neste cenário.
A conta da Região Metropolitana de Curitiba está em linha com a realizada pela Associação de Empresas Gestoras de Transporte Urbano Coletivo da Espanha (Atuc). Se os 2 mil vagões de metrô e os 2 mil ônibus urbanos que atendem Madri e sua região metropolitana deixassem de funcionar, 3,4 milhões teriam que se deslocar de outra forma, o que poderia acarretar em 2,5 milhões de veículos a mais pela cidade. Que cidade está preparada para tamanha demanda?
Do ponto de vista econômico e também social, a diminuição do transporte individual seria benéfica. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), os acidentes de trânsito lideram a causa de morte para pessoas de 5 a 29 anos. Os incidentes tiram mais de 1,35 milhão de vidas a cada ano e causam mais de 50 milhões de lesões – inclusive irreversíveis.
Meio ambiente
O transporte público também surge como opção ao meio ambiente. Se as cidades expandissem suas redes de transporte e incentivassem deslocamento com bicicletas e caminhadas, seria possível reduzir 40% das emissões de dióxido de carbono globais até 2050, de acordo com um estudo produzido pela Universidade da Califórnia em parceria com o Instituto para o Desenvolvimento do Transporte (ITPD, na sigla em inglês).
Um relatório da OMS mostra que a poluição do ar pode ser mais perigosa do que parece. De acordo com a pesquisa, 9 em cada 10 pessoas do mundo respira ar poluído. As estimativas apontam que 7 milhões de pessoas podem morrer a cada ano em decorrências de enfermidades causadas a partir da poluição.
“A boa notícia é que estamos observando mais governantes aumentando os compromissos para monitorar e reduzir a poluição do ar, assim como mais ações globais do setor de saúde e de outras áreas, como transporte, habitação e energia”, afirmou o diretor-general da Organização Mundial de Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus, na época de lançamento do estudo no ano passado.